terça-feira, 24 de abril de 2007

, helê

"aquele menino foi internado numa clínica Dizem que por falta de atenção dos amigos, das lembranças Dos sonhos que se configuram tristes e inertes Como uma ampulheta imóvel, não se mexe, não se move, não trabalha."

helê,

...

, ela é uma garota ranzinza que nunca sorri , não fala com ninguém. Ela é uma menina rústica que vê TV o dia inteiro, ela pensa que todos os dias são quinta feira. Ela não tem cartão telefônico, não tem prendedor de cabelo, gloss, lápis de olho, gilettes, mas tem cigarros e muitos e cismou que daria tudo pra mim. E eu fui pegando. Sentou ao meu lado com aquele tipo de shorts colantes e com os olhos de dopada , acendeu seu cigarro tragou duas vezes e depois me deu.Agora toda vez que passa por mim sorri de gratidão.

helê,

o que restou

o que restou do parque velho da cidade? ferro velho. restos de felicidade estraçalhada. um pequeno cemitério de passado. esconderijo de sonhos. cadáveres oxidando na chuva. ponto turístico. respiro ofegante. fugitiva. ressecada e desiludida. tempero emoção hesitante. compro pão no trailer do hot dog. eu sou essa festa acabada. esse parque vazio e abandonado .e tenho como último desejo que me veja feliz de novo como fui com vc na roda gigante enferrujada

helê!!!

sexta-feira, 13 de abril de 2007

, lita e as coisas

"as coisas simplesmente são". escutava lita, enquanto voltava da escola naquela tarde-dúvida de quinta-feira. o que significava aquela frase? depois de tentar entendê-la atravessando a velha ponte de madeira, preferiu cantarolar uma música qualquer ao mesmo tempo em que catava jasmins no chão.
- gente grande diz cada coisa, nando! (e aquele velho biquinho que fazia enquanto resmungava).
, chegava em casa sempre faminta, e como devorava maçãs antes do almoço! sua mãe ficava louca, tentando convencê-la que maçãs são melhores à noite
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depois do quase-almoço, debruçava-se na janela e retirava os jasmins do bolso, espalhando-os pelo quarto, até que tudo ganhasse aquele cheiro: roupas, bichinhos de pelúcia, seus rabiscos.
- lita, lá vem você com essas flores que sujam tudo, venha cá experimentar seu vestido, já está quase pronto! (estamos na véspera de seus seis anos, a mãe lhe fizera um vestido azul, que a menina tinha que provar todo santo dia, até que lhe caísse como uma luva).
, depois de tudo feito, vestido, bolo, salgadinhos, bolas coloridas por todo o salão, todos os parentes, até um palhaço, sim, o pai se divertia mais do que as crianças presentes na festa, depois de tudo isso, em meio às canções infantis, lita ficou tonta.
- "as coisas simplesmente são: chatas"!! sim, com exclamações no início da frase, porque era tudo chato à sua volta, pensava ela. lita encontrava nas coisas mais absurdas a graça, e todo o resto era mera distração disfarçada nas chatices. balão, brigadeiro, parabéns, presentes, os primos que vinham do interior nos aniversários.
, agora tinha seis anos, o cabelo cresceu um pouco, os dedos cresceram um pouco, mas o meio-sorriso era o mesmo. sentiu sono, tédio, vontade de estar em casa rabiscando árvores no bloco com folhas lilás que ganhou de presente da avó paterna, a qual não via desde seus três anos, que pra tentar compensar a ausência, enchia-lhe de presentinhos quase todo mês.
- aquilo sim, foi uma boa lembrança! de que me adianta brinquedos mudos? (as pessoas insistiam nesse tipo de "lembrança", mas a menina preferia sempre as coisas que de alguma maneira lhe falavam, coisas que se deixavam criar., coisas que a faziam ser).
, então começou com seu velho dengo e pedir aos pais que a levassem dali, dengo ela sabia bem como fazer!
foi assim que voltou pra casa, com seus seis anos e a certeza infantil de que as coisas "simplesmente precisam ser".

quarta-feira, 4 de abril de 2007

, lita e os passarinhos

- larga esses papéis, lisaveta!
essa menina não tem jeito mesmo, quase não a vejo brincando com suas bonecas (tantos tostões gastos e as bichinhas nem sequer saíram das caixas!) mas lita, como era mais comumente chamada, nem ouvira o que dizia sua mãe, estrábica mãe, tão atarefada com o almoço que mal percebia que a menina não tinha amigos, tampouco amor pelas bonecas.
- passarinhos, nando! consegue os ver? (dizia lita, em tom baixo ao seu único e imaginário amigo coisas que via e escrevia nos tais papéis)
- essa danada ainda vai me enlouquecer, arnaldo!
*arnaldo = pai de lita, funcionário público, meia-idade, olhos cinzentos.
- deixa a coitada, ela só tem cinco anos, júlia.
*júlia = mãe, dona-de-casa, também meia-idade, olhos desbotados de um num sei quê lá.
sempre discutiam sobre tudo que lita fazia, como passava suas tardes, seus modos tristes demais pra uma garota de cinco anos completados em maio, seus olhinhos sós.. não sabiam como lidar com tais sutilezas.
- deixamos pra ter filhos muito tarde, estamos cansados, lita não puxou à nenhum de nós, querido. além do mais, não tem irmãos, não se comporta como alguém de cinco anos de idade, às vezes parece mais velha do que nós, isso me dá medo.
, a menina nem prestava atenção à discussão dos pais, sempre tão alheia..só escrevia. rabiscava, escrevia. apagava algo, escrevia de novo. passava horas ali, na varanda: ela, seus papéis e nando, talvez seus únicos carinhos. o quarto lhe parecia quadrado demais, laranja demais, a mãe foi quem teimou em pintar daquela cor, lita se irritava com tais tons. a cozinha era sempre cheia de temperos, frutas e louças pra lavar, nem a deixavam chegar perto do fogão. a sala era séria, o pai sempre assistindo o noticiário, quadros escuros pendurados, definitivamente não a faziam feliz. e o que se pode dizer do banheiro? só se sabe que lhe agradava azulejos amarelos. mas a varanda, ah! a varanda lhe proporcionava um mundo onde tudo podia acontecer, até mesmo ser apenas lisaveta, cheia de sardas e sonhos ainda crescentes. mas e o que fazia com seus doces rabiscos depois de feitos? guardava-os no armário, com um cuidado de mãe. ninguém mexia, talvez nem soubessem da existência deles. o fato é que lita depositava nesses rabiscos todas as suas lágrimas contidas, lágrimas doridas e incompreendidas demais, vindas de uma menina de cinco, cinco anos.

segunda-feira, 2 de abril de 2007

, o que foi feito do amor?

, vírgulas
incontidas, ásperas, desperdiçadas.
e a carta que não chegou? o telefonema que não chegou? então chego eu, e alguns versos que escrevo, escrevo e depois rasgo. augusto tinha razão.

vês! ninguém assistiu ao formidável
enterro de tua última quimera.
somente a ingratidão- esta pantera -
foi tua companheira inseparável!

acostuma-te à lama que te espera!
o Homem, que, nesta terra miserável,
mora, entre feras, sente inevitável
necessidade de também ser fera.

toma um fósforo. acende teu cigarro!
o beijo, amigo, é a véspera do escarro,
a mão que afaga é a mesma que apedreja.

se a alguém causa inda pena a tua chaga,
apedreja essa mão vil que te afaga,
escarra nessa boca que te beija!


, augusto dos anjos, versos íntimos (pra mim, o melhor)
...
, brindemos, pois, ao acaso.